quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Cores da sorte!


Essa eu preciso dividir. Terminei hoje a leitura de “Cavala”, de Sérgio Tavares (Record) – vencedor do Prêmio Sesc 2009 categoria contos. Nem li os outros concorrentes, mas posso garantir que esse livro merece o destaque. Gostei muito – a resenha vocês poderão ler no UOL a partir de domingo.

No principal e melhor dos contos, que dá nome ao livro, uma ex-modelo, ex-atriz psicótica e prestes a cometer uma insanidade das grossas flerta com suas neuroses. Numa delas, ela relaciona a cor dos carros que enxerga na rua com a sorte ou o azar daquele dia. Um carro vermelho, uma coisa muito ruim vai acontecer. Dois carros vermelhos, uma coisa muito muito ruim. Três, algo muito muito muito ruim. E só uma coisa poderia anular o efeito negativo num dia de três carros vermelhos em sequencia: o mesmo número de carros amarelos. Esse sim seria, para a protagonista da história, a virada de sorte!

O engraçado foi me ver hoje na seguinte situação: enquanto dirijo na Pompéia percebo ser o quarto veículo de uma fila de... três carros vermelhos. Comecei a rir, fingindo não dar importância ao “significado”! Mas não é que entro numa rua e cruzo com... três carros amarelos. Tudo bem que era uma rua por trás dos Correios, mas vale, claro!

A resenha do bom “Cavala”, em breve no UOL.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Foco, Marta

Depois de um fechamento absurdo, alguns golpes pessoais e uma TPM mortal, me resta Ana Cristina César.

http://www.flickr.com/photos/uncolortv/4334876647/


Vídeo roubado do blog donttouchmymoleskine.com

Livro para ouvir

Não vivo sem música. Ponto. Não tem artista na minha família, mas lá em casa todo mundo é bamba. A gente não é de cantar ou tocar, mas é de dançar. Durante muito tempo levei a faculdade de jornalismo e as aulas de dança paralelas, sem saber se sairia jornalista ou bailarina. Fiz minha escolha, mas não parei de dançar. E hoje estar na plateia de um show bom ou numa pista fervendo são mais que prazeres, necessidades. Julia segue o mesmíssimo caminho.

Dito isso explico o prazer que tive ao ler “Noturnos”, de Kazuo Ishiguro (Companhia das Letras), tema da minha última resenha no UOL. O autor é um japonês que cresceu em Londres e que figura entre os grandes nomes da literatura desses dias, tendo na gaveta um “Booker Prize” por “Resíduos do Dia” (livro de 1989).

Neste “Noturnos”, Ishiguro exercita uma linguagem mais leve, bem humorada e concisa. São cinco histórias curtas com a música como ponto comum. As referências musicais são deliciosas. Narrativa sem segredos, para ler sem peso, e com prazer, como uma boa música.

Fica a dica – e oh!, nem tudo que eu leio, indico no blog. Muita coisa simplesmente não entra aqui. “Noturnos” vale!

A resenha:
http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/musica-humor-e-narrativa-concisa-estao-em-noturnos-de-kazuo-ishiguro.jhtm

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Notas de um fim de semana

Sobre individualismo
A Julia está num momento muito, muito interessante. Como não leio livros que dividem infância por fases, não sei explicar muito bem, mas dizem que é a primeira adolescência do serzinho, agora com dois anos. O período é marcado por um “esse mundo é meu” sem limites. Tudo é dela, e só dela. Em alguns momentos, explico: “não filha, isso não é seu, é de todo mundo” – quando, por exemplo, ela começou a brigar porque a Tati disse que tinha um sobrinho chamado Caio e ela achou um absurdo, afinal Caio (no caso, o primo) é dela! Difícil explicar que existem dois, três, um milhão de Caios. Em outros momentos, eu me divirto e na real alimento esse individualismo. Se para ela é tão importante repetir que aquela revista rasgada é dela, por que não? Acho que se eu tivesse tido essas noções de individualismo na minha primeira adolescência, teria poupado um bocado de terapia.


(Gil Vicente, "Inimigos")
(Nuno Ramos, "Bandeira Branca")

(Julia, "As Palavras e o Mundo", SESC Pompéia)


Sobre dividir
De vez em quando eu curto São Paulo como turista que sou. Devia fazer mais vezes porque é sempre muito bom e até me acalma. Divido a minha programação.

Começou sexta com showzinho no SESC Pompéia: festival Invasão Sueca, com Taken by Trees e Anna Von Hausswolff. Não conhecia nenhum dos dois e fui com a expectativa de um bom show, e nada mais. Foi mais que isso.
A primeira apresentação foi da pianista Anna Von Hausswolf, acompanhada só de bateria e uma guitarra. Lindo de morrer. Chorei da plateia, mas um choro feliz. Choro de quem se emociona com a descoberta do belo. Depois foi o Taken by Trees, nome do projeto da cantora Victoria Bergsman, gravado no Paquistão. Victoria ficou conhecida para mim porque canta uma das músicas que mais gosto esses dias, chamada “Young Folks”, fazendo vocal com Peter Bjorn and John. Ela tem uma presença estranha no palco, quase feia. Mas quando canta...
E fora que são todos fofos esses suecos. E o SESC Pompéia é um lugar que eu amo.

No sábado, fui na Bienal. Podia falar aqui na aventura que foi presenciar a pichação na obra do Nuno Ramos, que colocou três urubus lá na sua “Bandeira Branca” e teve de ouvir poucas e boas dos ambientalistas. Particularmente acho que os urubus estão ótimos, que é uma experiência para eles também e a obra não me fere. Até gosto, para falar a verdade.
Mas enfim, prefiro contar do trabalho do Gil Vicente. Ouvi de um amigo que a série “Inimigos” soava para ele muita apelação, quase uma violência gratuita. Discordo.
Gil Vicente apresenta autorretratos matando Lula, FHC, a rainha Elizabeth, o papo Bento XVI, Kofi Annan, Eduardo Campos, George Bush, Ariel Shalon e Jarbas Vasconcelos. Claro que a imagem mais direta é essa mesma: o artista contra o sistema – uma visão que pode soar antiga, talvez extinta, mas que ainda assim eu acredito.
Mas gostei muito do artigo de Sérgio Telles, publicado no “Aliás” desse final de semana, em que levanta a teoria psicanalítica do assassinato do pai. Pelo seu ponto de vista, o que está retratado ali enquanto morte é a imagem do paternalismo, muito comumente explorada pelos líderes políticos. E não se trata de imagens de pais edipianos, cuja morte abre caminho para a quebra da moral, do estabelecido. Os assassinados pelo artista são os pais primitivos, que estão acima do poder, de onde se julgam os únicos capazes de proteger sua horda. Esse paternalismo me incomoda, por isso vejo o trabalho de Gil Vicente pela possibilidade de catarse, não como uma proposta panfletária.

Por último, no domingo, levei Julia para ver “As Palavras e o Mundo”, no SESC Pompéia. Tinha contadora de histórias (a Ju ainda não tem paciência, e dessa vez saiu correndo no meio da apresentação!), cineminha, várias caixinhas com representações visuais de palavras, pescaria de palavras, estímulos sonoros para os usos das palavras – enfim, bem bacana para curtir com a minha pequena leitora.

29 Bienal de São Paulo, até 12 de dezembro no Parque Ibirapuera.
As Palavras e o Mundo, até 17 de outubro no SESC Pompéia.

sábado, 11 de setembro de 2010

Woman as muse



(Dame Laura Knight, “Three Graces”)

Das coisas inexplicáveis da minha vida, cheguei ontem da Grécia. Foram dez dias de programação intensa de trabalho, muita visita a vinhedo, degustação de vinho, fábrica de mel, produtor de feijões brancos gigantes, enfim, muita coisa deliciosa, mas pouco tempo para conhecer o país mesmo. Só um dia antes da volta, consegui entrar num museu, e não foi o de arqueologia! Decidi ir num museu privado, pequeno e meio escondido só pra ver essa exposição: “Woman as muse”, um apanhado sobre a mulher como inspiração na arte. E pensar em musas na Grécia foi cereja no bolo demais pra mim.
Na mitologia grega, eram nove as musas, todas filhas de Mnemosine e Zeus e associadas a uma inspiração: música, tragédia, comédia, eloqüência, poesia lírica, história e astronomia, dança e música sacra. Para cada uma das artes, a imagem de uma das musas. Foi com o Cristianismo que a mulher perdeu seu poder de deusa inspiradora, afinal inspiração vinha do céu. E o status de musa só volta, em novo conceito, é verdade, com o Renascimento, quando a arte se voltou ao estudo do corpo humano.
A exposição segue citando Dante Alighieri (1265-1321) e seu fascínio pela mulher normal, da rua, personificado em Beatrice Portinari. À sua musa, ele deve o impulso do seu primeiro soneto de amor, quanto tinha 16 anos.
Os artistas do século 19, em particular realistas, impressionistas e pós-impressionistas, se inspiraram nas mulheres do dia a dia. Degas buscou a mulher num café, a bailarina ensaiando. Gaugin não resistiu às nativas do Tahiti. Toulouse-Lautrec ficou obcecado por atrizes, cantoras, dançarinas. Algumas como Yvette Guilbert, ele seguiu por noites, assistindo o mesmo espetáculo milhão de vezes.
Os quadros, a maioria desenhos, são de 1900 a 1950 e de artistas europeus. Tem coisas ótimas de Salvador Dali, Henri Matisse, Henri de Toulouse-Lautrec e Picasso - cuja obra evolui, dizem, de acordo com a mulher que ele se relacionava na época.
Até dia 21 de novembro, no Herakleidon, ali em Atenas, Grécia.
http://www.herakleidon-art.gr

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Histórias de amor

(Serginho e Érika, que casaram dia 21 de agosto - Foto mais que incrível da mais que incrível Dani Picoral)

Estou tomada de amor. Como se não bastasse o aniversário da Julia (dois anos nesta quinta, dia 26), fim de semana passado fui num casamento. Amo casamentos. Até aqueles todo organizadinhos, que só falta ter hora marcada para o público chorar, até esses eu gosto, e me emociono e me sinto preenchida de energia boa depois. Infelizmente, meus amigos não são dados a casar. E os que casam, demoram a celebrar. Fim de semana passado, festejamos um recém-nascido de seis anos. Foi demais. E esse casamento me fez pensar em histórias de amor, e cheguei à listinha abaixo. Livros de amor que qualquer romântico deveria ler ao menos uma vez na vida.

“O Amante de Lady Chatterley”, D. H. Lawrence – Constance casa com um oficial inglês que volta da guerra inválido, numa cadeira de rodas. Ela aceita a castidade até conhecer Oliver, feio e rude, um homem forte como a natureza. Além de um livro de amor, é um livro deliciosamente erótico.

“Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”, Clarice Lispector – Esse livro é a própria materialização do amor. Se algum escritor conseguiu em vida se aproximar de uma definição de amor, foi Clarice e foi com esse livro. Sem mais.

“Para Francisco”, Cris Guerra – Amor é muito pessoal, e esse livro fala diretamente comigo, embora suspeite que qualquer pessoa possa sentir o mesmo. O diário virtual de uma mãe tentando apresentar ao filho o pai morto antes do nascimento dele é amor puro e verdadeiro.

“Cartas a D.”, de André Gorz – Li esse livro num momento inapropriado, e por isso mesmo foi catarse pura. O autor revê 54 anos de relacionamento com a esposa Dorine Keir, vítima de um erro médico que lhe causou uma doença grave.

“Ninguém escreve ao coronel”, Gabriel García Márquez – O amor senil me emociona. Nesse livro, o coronel e sua esposa vivem a ansiedade da espera por uma correspondência que mudaria suas vidas. Esperam uma carta que anuncie uma recompensa do estado. Esperam pobres, passando fome. E ainda tem o galo de briga, a esperança viva entre eles. Que livro!

Avalovara, Osman Lins – Encontros, perdas, ganhos, ausências. Avalovara expressa na própria construção narrativa a confusão que é o amor. O instável que é amar. Um dos livros da minha vida.

Essa lista deve aumentar com o tempo porque minha memória tem delay.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Medo da palavra


Duas leituras recentes que eu gostei e recomendo: “Paisagem com Dromedário”, de Carola Saavedra (Companhia das Letras) e “O Caso Morel”, de Rubem Fonseca (reedição da Agir). Os dois estão nas estantes de lançamentos das melhores livrarias e valem levar para casa. Sobre as qualidades narrativas de cada um, vocês podem ler nas resenhas do UOL. Chamo atenção aqui para um ponto comum entre os textos: o medo da palavra permeando a narração.

“O Caso Morel” foi o primeiro romance de Rubem Fonseca, lançado em 1973. Talvez eu tenha lido quando me preparava para o vestibular, lá atrás, mas não lembrava nada do enredo e reli como novidade. Paul Morel, personagem principal do livro, pensa que pode usar as palavras para exorcizar seus demônios – que não são poucos. Da cela onde está preso pelo suposto assassinato de uma socialite carioca, o artista plástico intransigente e dado à promiscuidade tenta escrever sua biografia. Entre lembranças e invenções, Morel repete como mantra seu medo da palavra.

Em “Paisagem com Dromedário”, a personagem Érika se atormenta com compromisso de ser pela primeira vez na vida absolutamente verdadeira. Escolhe, ao invés da palavra escrita, a palavra falada para seu testamento sentimental. Usa um gravador para mostrar-se ao ex-namorado, enquanto vive um período de isolamento social numa ilha sem nome depois que uma tragédia muda para sempre sua vida afetiva. Não só sua voz, mas todos os sons ao seu redor contam sua história. A linguagem oral se torna, pelas mãos da autora, uma ferramenta de oposição à palavra escrita. O medo da palavra verbalizada é um assunto recorrente no livro, até que a personagem parece conseguir domá-la – numa relação muito clara com o processo narrativo.

Também tenho medo da palavra. Sinto um misto de respeito e devoção porque conheço seu descontrole. E o que é escrever se não a tentativa sem fim de controlar a palavra?

As resenhas de “O Caso Morel” e “Paisagem com Dromedário” estão no UOL.

http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Sobre estar só



Era um dia qualquer, mas agora eu podia escolher o caminho, conversar ou não, ler ou não, chorar ou não, sorrir talvez. E também podia tomar vinho no gargalo, andar descalça na lama, observar longamente as pessoas da mesa de um café depravado. Entrar no cinema e sair antes do filme acabar. Entrar no cinema e só sair quando passassem todos os créditos, só para ver quem canta aquela música. Podia dormir ao meio-dia, acordar às três da manhã. Virar amiga do desconhecido sentado ao meu lado no avião. Entrar e sair de uma festa sem conhecer ninguém. Caminhar por horas, e em círculos, só para exercitar as pernas. Ou pegar um táxi para atravessar um quarteirão. Podia me vestir para uma festa e ir só até a padaria. Podia deixar o telefone tocar e depois dizer que não ouvi. Escrever uma carta chorando e não enviá-la nunca. Pedir uma pizza gigante e comer só as azeitonas. Tomar coca-cola no café da manhã, antes de escovar os dentes. Podia dizer que meu nome é Maria. Podia inventar uma Maria para ser eu. E matá-la quando bem entendesse. Coisas bestas assim, como se sentir livre sem ser.

Textinho inspirado neste vídeo lindo que me foi apresentado via Facebook da Renata Simões.


http://www.youtube.com/watch?v=k7X7sZzSXYs

terça-feira, 6 de julho de 2010

Uruguai de Benedetti


Queria que o Uruguai ganhasse por vários motivos: pela picanha uruguaia, pelo Lugano, pela força latina e, principalmente, por Mario Benedetti, poeta dos meus preferidos que morreu ano passado. Dele, um poema que eu nunca canso de ler:

SOY MI HUESPED

Soy mi huésped nocturno
en dosis mínimas
y uso la noche
para despojarme
de la modestia
y otras vanidades

aspiro a ser tratado
sin los prejuicios
de la bienvenida
y con las cortesías
del silencio

no colecciono padeceres
ni los sarcasmos
que hacen mella

soy tan solo
mi huésped
y traigo una paloma
que no es prenda de paz
sino paloma
como huésped
estrictamente mío

en la pizarra de la noche
trazo una línea
blanca

(De La Vida ese Parentesis)

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Jazz band do Alê


Quanto mais eu cresço, mais amigos lançam livros. O da vez é o Alê, Alexandre Staut, uma das compensações boas que a vida me trouxe após a tempestade. A gente podia ter se conhecido no JT, mas parece que meses separaram a minha saída da chegada dele no jornal. Nos conhecemos bem depois, na hora certa. Lindo, inteligente, generoso, romântico, exagerado e agora escritor. Acaba de lançar “Jazz Band na Sala da Gente” (Toada Edições).

Sobre o livro, vocês podem ler na resenha desta semana do UOL, cujo link vai a seguir. O que eu queria dar um salve aqui é a dedicação do Alê em fazer a coisa acontecer. Como conta na entrevista que se segue à resenha, ele mesmo bancou a edição do seu livro de estreia na ficção. Alê tentou algumas editoras, “sem apadrinhamentos”, mas na falta de uma resposta e com incentivo de figurões como Luiz Ruffato (que graças a N.S.Airfrance reapareceu na minha vida!), ele não desistiu e partiu para uma edição própria. Contou com o super talentoso Marcelo Katsuki (que faz parte do mesmo saco de batata de ouro do Alê!). Kats assina a capa do livro. O lançamento foi no Na Cozinha, restaurante de outro querido, o Carlinhos. E a distribuição, o próprio autor começou a fazer, livraria a livraria – imaginem!
Acho fantástico esse desejo em ser lido. Essa vontade corrida que não deixa esperar pelo tempo dos editores. Corajoso meu amigo. E, olha que boa notícia, não é que a resenha no UOL já deu resultado! Logo após a publicação, a Livraria Cultura procurou o Alê e fez uma compra. Disse que já tem gente procurando o livro.


sexta-feira, 18 de junho de 2010

Dia triste

Sem Saramago, fica faltando um pedaço.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Pós férias

(Londres, maio de 2010)
(Barcelona, maio de 2010)


Três semanas de férias, um Coetzee e um Paul Auster depois, eis que me vejo no conforto da minha varanda ensolarada em São Paulo me sentindo uma completa deslocada. Não é novo, não é a primeira vez, mas quase esqueci o quanto tudo ao redor não faz sentido. Nessas férias, passei uma semana em cada cidade apaixonante do mundo: Barcelona, Londres e São Paulo. A cabeça ferve. Faltou Recife (em julho!) para completar a volta.

Na primeira parte das férias, em Barcelona, li “Verão”, de J. M. Coetzee, que para ser sincera não é um grande livro. Engraçado escrever isso porque ao mesmo tempo é um grande livro, se comparado ao que se lança na mesma época. Tem um enredo incrível: é o rascunho da biografia póstuma do próprio autor. O material (entrevistas com pessoas próximas, apontamentos de Coetzee) é reunido por um biógrafo chamado Vincent. Genial.

Mas a verdade é que à medida que a leitura avança, vai ficando chato. E não é a narrativa que piora – nisso, Coetzee não erraria. É a insistência em destruir sua imagem, num exercício de anulação que talvez Freud explique. Faz lembrar certos tipos que aparecem na revista de celebridades pedindo que não lhe fotografem. Sei lá. Talvez soe forçado. De tanto o autor apresentar ao seu Coetzee como um fracassado completo, periga o leitor concordar.

Em Londres, não li uma linha de nada. Mas nos trajetos (e como é difícil se deslocar por aeroportos!) de ida e volta a Barça, comecei “Invisível”, de Paul Auster, que chegou chegando. Logo nas primeiras páginas, uma frase ficou gravada na minha cabeça repetida como mantra desde então: “Só porque uma coisa é improvável, não significa que não venha a acontecer”.

O livro segue sem muitas outras frases de efeito, mas com uma narrativa tão bem emaranhada como teia. Parece que em “Invisível”, Paul Auster chega à reta final de uma trajetória de exercícios narrativos. É a apresentação de múltiplas perspectivas sob o mesmo enredo no nível de perfeição. Muito legal. Esse vale comprar. Já o “Verão”, pega emprestado do amigo, compra não.

A última semana de férias foi em São Paulo – essa cidade que eu amo! -e sem leitura útil! Apenas abraçadinha a Jujuba, que é meu eixo.

Ambos os livros, resenhas no UOL:

http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/

terça-feira, 25 de maio de 2010

férias

Fui ali pensar um pouco e volto já...

sábado, 17 de abril de 2010

II surround system


Eu escrevo você - E escrevo com trema, porque você é drama, ainda que démodé, ou que nem exista - Escrevo você com poucos adjetivos, porque você é discreto - Não evito clichês, como o poeta. Ao contrário, os inveto cem vezes e você os reiventa outras cem - Escrevo você criando relações entre muito distantes, porque você é incoerência, você é metáfora.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Sobre a gente

Li esse livro me vendo nele, e rindo disso, porque pareço ridícula em todos os trechos em que me vi. Também enxerguei alguns colegas da literatura, algumas figuras do mundo acadêmico, outros que não conheço pessoalmente, mas sei exatamente quem são.

Sérgio Rodrigues, jornalista, crítico literário e blogueiro, escreve muito bem. Estabelece deliciosas relações entre o mundo dos leitores. São contos, mas também são críticas. E tudo é muito engraçado, de um humor desconcertante, principalmente se você, como eu, se sente parte da história.

Resenha no UOL:

http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/sobrescritos-consegue-unir-critica-literaria-otimo-exercicio-narrativo-e-mundo-pop.jhtm

terça-feira, 6 de abril de 2010

Notas sobre Nietzsche X Heidegger

(Imagem do blog cabecasafora.blogspot.com)

Mês passado fiz um curso cabeçudo na Livraria da Vila: Nietzsche versus Heidegger, com a professora Regina Schöpke. Eram três aulas. Um respiro legal na vida corrida que teria sido perfeito se eu não tivesse esquecido de ir na última aula, só lembrando meia hora depois que ela já tinha terminado. Ridículo. Sei.

Enfim, de lá queria dividir uma conversa muito legal que tivemos (eu calada, claro) sobre dois modelos de organização do mundo muito diferentes, que até podem se cruzar, mas jamais se unem: o nômade e o sedentário.

No primeiro, o homem se constitui para ser nômade. Migra em nome de melhores condições e é aterrorizado pelas forças da natureza. Prefere fugir a enfrentá-las. Já o homem sedentarizado prefere a proteção do Estado, mesmo que isso signifique (e significa) abrir mão da liberdade. O sagrado e a religião têm suas bases no mundo sedentário.

O mundo sedentário é o de contenção de fluxos. Nada de paixões. Nada de instintos. Por isso, o medo da diferença e a aceitação da vigilância (não é só proteção, a gente sabe) do Estado. Sócrates é o marco desse pensamento. “A própria filosofia surgiu como requinte do mundo sedentário, mas com bases e aspirações nômades”, explica Regina. “A filosofia é uma arma de guerra nômade.”

Nos dois mundos, o homem teme o acaso. A diferença é que o nômade o afirma, enquanto o sedentário o nega. O homem sedentário se ocupa em antecipar o presente, e sofre pelo porvir. O nômade não perde a noção do presente. “Viver intensamente é viver perigosamente”, escreveu Nietzsche, o mesmo que diz que “o homem é um animal que adoeceu”.

Tentar ser um sendo o outro é o começo do fim. E isso, ao menos para mim, explica muita coisa ai fora.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Delírio ou um livro bom

Jornalista já está acostumado com isso, mesmo assim foi difícil escrever a resenha dessa semana do UOL. Motivo: o livro é muito bom! Sério, não me lembro de ter lido uma obra de estreia tão boa quanto “Lugar”, de Reni Adriano (editora Tinta Negra). Falar mal, criticar, apontar falhas... Tudo isso é muito fácil. Sei lá, jornalista já nasce com uma língua ferina, veneno na veia, instinto aguçado para ver o lado ruim da coisa. Não me queixo dessas minhas, digamos, qualidades. Por isso mesmo, fiquei muito insegura em escrever uma resenha de um grande livro sem uma fortuna crítica nas costas, como respaldo. Perguntava a mim mesma ao longo da leitura: “caramba, será que esse livro é isso tudo que estou enxergando?” É.

O livro chegou até minhas mãos pelo Bruno, amigo querido que já me indicou outras coisas boas no passado. Adoro quando ele diz que tem um livro para mim, que viu e lembrou de mim, essas coisas. Adoro ganhar livros. Mas desse bateu um medinho.

Livro de estréia de um moço desconhecido, sem precedentes nos jornais, nem nas revistas literárias. Dei um Google para ver o que descobria do Reni, mas a conversa com o Bruno foi mais esclarecedora. Sabia que o livro tinha vencido um prêmio literário em Minas (o que, convenhamos, nem sempre significa alguma coisa) e que o autor é um cara bem interessante, formado em filosofia, que cresceu na periferia de São Paulo sem se contaminar com a violência que levou alguns de seus amigos... E por ai vai.

Pensei: lá vem mais um livro com a violência meio de deusa e que a gente, mortais da classe média, tem que ler com respeito, no mínimo. Chato.

Não é nada disso. “Lugar” é um livro completamente original. Tem muito mais da memória de uma interiorana Minas Gerais (onde Reni morou até os sete anos) do que da São Paulo barulhenta e perigosa de hoje.

Mas o que chamou minha atenção foi um incrível exercício narrativo. Um trabalho primoroso de quebra da palavra ao meio, pura inovação linguística.


Socorro: nasce uma estrela da literatura e eu estou aqui, assistindo tudo de camarote.
Tenho mesmo muita sorte!

A resenha, com direito a mini entrevista (com big respostas) do autor, em:
http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/narrativa-totalmente-original-toma-conta-de-lugar-do-estreante-reni-adriano.jhtm


p.s.: Por favor, leiam! E depois me digam se tudo isso é um delírio meu.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Lobo Antunes

"Anoitece tão cedo em mim."

quinta-feira, 4 de março de 2010

Fevereiro russo


Não, não foi influenciada pelo meu inferno astral que escolhi o título desse post. É dediquei fevereiro aos autores russos nas minhas resenhas do UOL. E quem me deu essa ideia foi a carinhosa atendente da Livraria da Vila, da Vila mesmo, que não lembro o nome. Sempre fico ali rondando a mesa de lançamentos, escutando as conversas no café para ver que livro tem a cara do leitor do portal e dia desses ela me abordou. Perguntou o que eu fazia, expliquei, e ela me levou direto para esses dois lançamentos da Editora 34: “Gente Pobre”, de Dostoiévski; e "Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk", de Nikolai Leskov. Dois livros incríveis. Imperdíveis. “Gente Pobre” foi o primeiro livro de Dostoiévski , responsável pelo sucesso automático do escritor. É um romance epistolar, mas com ampla visão social. Lady Macbeth é um dos livros mais incríveis que eu li na minha vida. Relata a transformação de uma mulher “normal” numa assassina cruel, com uma história de paixão desmedida arrebatadora. Tipo imperdível.

As resenhas:
http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/romance-de-nikolai-leskov-expoe-a-transformacao-de-uma-mulher-comum-em-assassina.jhtm

http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/gente-pobre-de-fiodor-dostoievski-inaugura-o-romance-social-russo.jhtm

p.s.: o inferno astral acabou, já estou de volta! :D

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Dica do Humberto

Quando o Humberto me dá alguma dica, eu anoto. Nunca falha. Esse link ele me passou hoje. Gente, o que é isso?

http://www.youtube.com/watch?v=4Zvgg7Mp49M

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Carnaval da Julia

(Ela adorou o bailinho, mas curtiu mais correr no campo de futebol)

(No primeiro bailinho, asas de borboleta)


(A primeira fantasia, de havaiana (feita pela vó Sílvia), no dia do caruru do Carlos Ribeiro na casa da Beta)

Foi uma folia danada em São Paulo. Parece que metade da cidade resolveu ficar por aqui - e justamente a metade mais legal! Teve bloco, festinhas ótimas, samba e Julia sendo batizada por momo. Cultura carnavalesca 100% lá em casa! Teve confete no chão da sala nos quatro dias. E o primeiro bailinho dela que será lembrado para sempre.








sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Que guay!

Uma historinha engraçada: quando morei na Espanha, entre 2001 e 2002, aprendi uma palavra que adorei. "Guay". Semprei usei no lugar "legal", "bacana" ou alguma coisa nessa linha. Guay para tudo: gente, sensações, lugares, coisas. Digamos que eu adotei essa palavra, assim como adotei "meu" do paulistano (amo!). Não sei bem onde e como aprendi. Com os amigos não foram, já que no ano passado descobri que ela soa meio estranha dita por mim. Quem disse isso foi minha alterego catalana Marta. Ela quis dizer que "guay" é uma palavra muito infantil, que só criança diz na Espanha e tal. Que pena. Mas nem por isso deixei de usá-la (eu gosto e pronto). Hoje recebi um link dela maravilhoso, com um texto sobre a etimologia do "guay". E ler me fez gostar mais ainda!

Para quem tiver curiosidade:
http://etimologias.dechile.net/?guay

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Com 1 ano e 5 meses a Julia é um ser...

... feliz! Dorme sorrindo, acorda sorrindo. Tem uma gargalhada deliciosa. E solta sem economia.
... que ama barulho. Não pode escutar uma música que sai a dançar, convidando todo mundo ao redor para entrar no passo. P.s.: está sendo educada segundo a lógica “música boa é música boa”. Escuta o que eu escuto. Abro exceções para alguma coisa do Palavra Cantada, Adriana Calcanhoto, velhas trilhas sonoras... Mas ninguém merece essas músicas infantis chatíssimas.
... que ama gente, em especial crianças. Se encanta com os meninos da idade do primo Caio e do superamigo Tato e se derrete pelos bebês, que chama de nenê.
... muito carinhoso. Parece uma gatinha se enroscando. Beija todo mundo, abraça apertado, gosta de fazer carinho no meu rosto e na minha barriga (!).
... muito inteligente. Já conhece as partes do corpo (tem adoração por barrigas, pede para ver a minha e a de quem estiver perto, o que rende alguns momentos de constrangimento, claro), reconhece alguns animais, entende tuuudo que a gente fala.
... que já ama o belo. Dia desses, dei duas sandálias pra mocinha e ela passou dias mostrando para todo mundo a beleza que tinha nos pés.
... bem à vontade com o mundo das letras. Já tem seus livros preferidos e passa muito tempo (no tempo dela isso seria 15 minutos) lendo no sofá, às vezes sozinha, às vezes dividindo as surpresas comigo. Ah, e também adora revistas – mas nessas ela faz, digamos, uma leitura criativa com interação radical.
... que cada dia parece mais comigo. :-)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Essa não é uma obra-prima

Sempre gostei mais do pai. E continuo gostando mais do pai. Mas esse lançamento de Luis Fernando Verissimo, "Os Espiões" (Alfaguara), é uma leitura que recomendo. Um livro sem pretensões de obra-prima, que diverte sem nenhum mergulho às profundezas do ser. Acho que faz falta esse tipo de literatura. Cansa esse compromisso que alguns escritores têm de superação sobre superação. Levemos a vida menos à sério, fazendo o favor.

A resenha, no UOL:
http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/2010/01/31/ult5668u135.jhtm




segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Lágrimas de Eros

(Andy Warhol, Beijo, 1932)
(Man Ray, Lágrimas, 1932)

Sozinha em Madri num domingo frio e ensolarado, não podia haver programa mais perfeito que a exposição “Lágrimas de Eros”, no museu Thyssen-Bornemisza, que eu não conhecia. Com esse título, eu iria mesmo que fosse em Barajas. “Les Larmes d’Éros” é o último livro de Georges Bataille, lançado em 1961, e que muito debati durante o mestrado com meus colegas de classe (saudade disso!). Nesse livro, o autor francês levanta a poeira do clássico problema da íntima relação entre o prazer sexual e o instinto de morte. O gozo é a micro experiência da morte, diz Bataille a seu modo. “Tanto na morte como na consumação erótica regressamos, da descontinuidade da vida individual, à continuidade originária do Ser”, numa livre tradução do panfleto explicativo da mostra.
A exposição apresentava um ótimo apanhado, em pinturas, fotografias, esculturas e vídeos, da arte dedicada à divindade grega do amor. Nas primeiras salas estavam as várias faces da mulher fatal: Vênus, Eva (a origem de todo o pecado do mundo, segundo a leitura bíblica), a esfinge, a sereia. Já comecei me apaixonado pelo retrato de Man Ray, feito em 1932 (até trouxe uma reprodução em imã de geladeira), intitulado “Lágrimas”: dois olhos femininos cuidadosamente maquiados, com cinco lágrimas de vidro ou cristal postas simetricamente no rosto - o que faz daquele choro algo muito falso. Man Ray fez o retrato depois de levar um chute daqueles de sua amante Lee Miller. Sua resposta é irônica. Dizem que ele questiona a própria fotografia com essa ironia.
Claro, o tema religioso não faltaria na exposição, afinal para Bataille a identidade entre Eros (amor) e Tânatos (morte) faz sentido no contexto do sagrado. “O erotismo é objeto de um tabu, de uma proibição que ilumina o proibido ‘com uma luz ao mesmo tempo sinistra e divina: o ilumina, com uma palavra, com uma luz religiosa’”. Por isso no erotismo, assim como no sagrado, a proibição não existe sem a transgressão.
E chego então à sala com algumas interpretações da tentação de Santo Antonio, o eremita que retirado no deserto é assaltado por visões diabólicas de... uma mulher nua. Ele resiste e apenas olha de longe - daí alguns considerarem Santo Antonio o primeiro voyeur da história. Ali vi quadros incríveis de Paul Cézanne (de 1877), Jan Wellens de Cock (1520), Picasso (1970) e Antonio Saura (1963 e 1964) – desse último, uma colagem feita com fotos de pin ups nuas tiradas de revistas da época. Adorei!
Sigo pela sala dedicada a São Sebastião. Eu não sabia, mas aquela imagem do santo amarrado a uma árvore, nu e com o corpo atravessado por flechas, com uma expressão entre a agonia e o êxtase, se converteu, após o século 15 (antes ele era retratado de um jeito totalmente diferente) num ícone gay por excelência. Lembro de ter ouvido uma frase, provavelmente de um poeta do século 19 que não lembro o nome, que resume tudo: “Quem mais profundamente me fere, mais profundamente me ama”. A imagem de São Sebastião reflete gozo, não sofrimento, ou as duas coisas – o gozo no sofrimento, o prazer e a morte de Bataille.
Também estava nessa sala Andrômeda, a equivalente feminina de São Sebastião, que é oferecida em sacrifício a um monstro marinho. Amarrada a uma rocha no mar, ela é salva por Perseu que se apaixona pela imagem da mulher nua, imóvel, entregue. Perseu só nota que é uma mulher pelo balanço dos cabelos ao vento.
Ainda tinha a sala do beijo, com Andy Warhol (1963) e uma introdução que merece ser reproduzida: “A culminação amorosa do casal é a escravidão mútua. Os amantes lutam para superar seus limites individuais para se fundir em um só ser, mas essa função não se produzirá sem violência, sem a paixão canibal por devorar ao outro ou por vampirizá-lo.” É ou não é a melhor descrição do beijo?
Sai do museu com uma frase de Paul Gauguin, talhada em madeira, de 1901: “Soyez amoureuses et vous seres hereuses” (tá certo, gente?), algo como “se apaixone e serás feliz!”. Nada mais!
P.s.: Esse post é mais um da série ‘leiam e babem’. Infelizmente, a exposição acabou. Tive a sorte de ver no último dia. Quem sabe algum museu de São Paulo não se interessa em trazer pra cá.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Caim na praia

Leitura e resenha de “Caim”, de José Saramago (Companhia das Letras), coincidiram com um momento importante da minha vida: quando entendi que dá pra ser mística sem ser religiosa. E que toda religião que eu conheço, algumas por ter frequentado lá num passado distante, são muitíssimo chatas. Então, veja bem, não haveria momento mais propício para uma nova interpretação bíblica do distinto ateu de nascença Saramago. Mais um livro dele que eu li rindo. Às vezes até rindo alto. E ainda por cima li defronte o mar de Cupe. Alguém ainda vai perguntar se o livro é bom?

A parte que destaco (e que não entrou na resenha do UOL) é a da sequencia de definições e descrições da mulher, logo no começo do livro, tendo Eva como objeto de análise. Estamos no Jardim do Éden, onde a perfeição se mostra monótona demais para pensantes. Ali, a primeira mulher da humanidade é rebelde, responde ao marido e se surpreende com sua liberdade. “Era como se dentro de si habitasse uma outra mulher, com nula dependência do senhor ou de um esposo por ele designado”.

Outra frase que eu adoro é quando ele tenta descrever a chatice que é o céu onde “também se sorria muito, mas sempre seraficamente e com uma ligeira expressão de contrariedade, como quem pede desculpa por estar contente.”

E há vários diálogos incríveis sobre a onipresença (e importância) de Deus. Caim está em pé de guerra com o todo poderoso e não economiza ironia em seus comentários. Exemplo: “A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele.”

Pena que não é todo mundo que gosta. Soube que o UOL recebeu comentários ácidos sobre meu texto e o do Saramago. '-)

A resenha:
http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/2010/01/03/ult5668u131.jhtm

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Clarice e Saramago

Dois livros me deram um prazer danado no final de 2009. Foram minhas resenhas de dezembro no UOL: "Clarice," (leia Clarice vírgula), de Benjamin Moser (Cosac Naify), e "Caim", de Saramago (Companhia das Letras). Dois livros incríveis que entraram na lista de preferidos do ano, sem pensar duas vezes.

De "Caim", prometo escrever em breve minhas impressões pessoais (grande livro!). Mas de "Clarice,", não me contive e relacionei alguns pontos da vida e personalidade da minha grande musa inspiradora com os quais, digamos assim, me identifico. Aliás, li esse livro (pesquisa incrível, texto muito bom!) procurando o que dela era meu, e o que meu era dela. Coisa de fã. Enfim, vamos aos pontos:

1. Ela disse: "se pudesse ter escolhido queria ter nascido cavalo"

2. "É que sou mística", disse Clarice a um entrevistador. "Não tenho religião, porque não gosto de liturgia"

3. "Se eu tivesse que dar um título a minha vida ele seria: à procura da própria coisa"

4. "Em Recife os mocambos foram a primeira verdade para mim. Muito antes de sentir 'arte', senti a beleza profunda da luta"

5. A última vez que Clarice esteve no Recife foi em 1975, ano em que nasci - tá bom, agora eu forcei! Coisa de fã, eu avisei. :D