terça-feira, 28 de setembro de 2010

Notas de um fim de semana

Sobre individualismo
A Julia está num momento muito, muito interessante. Como não leio livros que dividem infância por fases, não sei explicar muito bem, mas dizem que é a primeira adolescência do serzinho, agora com dois anos. O período é marcado por um “esse mundo é meu” sem limites. Tudo é dela, e só dela. Em alguns momentos, explico: “não filha, isso não é seu, é de todo mundo” – quando, por exemplo, ela começou a brigar porque a Tati disse que tinha um sobrinho chamado Caio e ela achou um absurdo, afinal Caio (no caso, o primo) é dela! Difícil explicar que existem dois, três, um milhão de Caios. Em outros momentos, eu me divirto e na real alimento esse individualismo. Se para ela é tão importante repetir que aquela revista rasgada é dela, por que não? Acho que se eu tivesse tido essas noções de individualismo na minha primeira adolescência, teria poupado um bocado de terapia.


(Gil Vicente, "Inimigos")
(Nuno Ramos, "Bandeira Branca")

(Julia, "As Palavras e o Mundo", SESC Pompéia)


Sobre dividir
De vez em quando eu curto São Paulo como turista que sou. Devia fazer mais vezes porque é sempre muito bom e até me acalma. Divido a minha programação.

Começou sexta com showzinho no SESC Pompéia: festival Invasão Sueca, com Taken by Trees e Anna Von Hausswolff. Não conhecia nenhum dos dois e fui com a expectativa de um bom show, e nada mais. Foi mais que isso.
A primeira apresentação foi da pianista Anna Von Hausswolf, acompanhada só de bateria e uma guitarra. Lindo de morrer. Chorei da plateia, mas um choro feliz. Choro de quem se emociona com a descoberta do belo. Depois foi o Taken by Trees, nome do projeto da cantora Victoria Bergsman, gravado no Paquistão. Victoria ficou conhecida para mim porque canta uma das músicas que mais gosto esses dias, chamada “Young Folks”, fazendo vocal com Peter Bjorn and John. Ela tem uma presença estranha no palco, quase feia. Mas quando canta...
E fora que são todos fofos esses suecos. E o SESC Pompéia é um lugar que eu amo.

No sábado, fui na Bienal. Podia falar aqui na aventura que foi presenciar a pichação na obra do Nuno Ramos, que colocou três urubus lá na sua “Bandeira Branca” e teve de ouvir poucas e boas dos ambientalistas. Particularmente acho que os urubus estão ótimos, que é uma experiência para eles também e a obra não me fere. Até gosto, para falar a verdade.
Mas enfim, prefiro contar do trabalho do Gil Vicente. Ouvi de um amigo que a série “Inimigos” soava para ele muita apelação, quase uma violência gratuita. Discordo.
Gil Vicente apresenta autorretratos matando Lula, FHC, a rainha Elizabeth, o papo Bento XVI, Kofi Annan, Eduardo Campos, George Bush, Ariel Shalon e Jarbas Vasconcelos. Claro que a imagem mais direta é essa mesma: o artista contra o sistema – uma visão que pode soar antiga, talvez extinta, mas que ainda assim eu acredito.
Mas gostei muito do artigo de Sérgio Telles, publicado no “Aliás” desse final de semana, em que levanta a teoria psicanalítica do assassinato do pai. Pelo seu ponto de vista, o que está retratado ali enquanto morte é a imagem do paternalismo, muito comumente explorada pelos líderes políticos. E não se trata de imagens de pais edipianos, cuja morte abre caminho para a quebra da moral, do estabelecido. Os assassinados pelo artista são os pais primitivos, que estão acima do poder, de onde se julgam os únicos capazes de proteger sua horda. Esse paternalismo me incomoda, por isso vejo o trabalho de Gil Vicente pela possibilidade de catarse, não como uma proposta panfletária.

Por último, no domingo, levei Julia para ver “As Palavras e o Mundo”, no SESC Pompéia. Tinha contadora de histórias (a Ju ainda não tem paciência, e dessa vez saiu correndo no meio da apresentação!), cineminha, várias caixinhas com representações visuais de palavras, pescaria de palavras, estímulos sonoros para os usos das palavras – enfim, bem bacana para curtir com a minha pequena leitora.

29 Bienal de São Paulo, até 12 de dezembro no Parque Ibirapuera.
As Palavras e o Mundo, até 17 de outubro no SESC Pompéia.

Um comentário:

LUARES DE LILITH disse...

Gostei da sua forma de sentir as artes! beijo