Ganhar presente é bom. Agora, ganhar um presente que nos emociona, que é a nossa cara e que nos faz derramar uma lágrima doce a cada virada de página, é melhor que bom. É como se aquela pessoa dissesse, em palavras não ditas, “eu conheço você melhor que imagina e posso perfeitamente tocar seu coração!” Foi assim que me senti quando ganhei, coisa de duas semanas atrás, a linda nova edição de “Livro das Perguntas”, de Pablo Neruda (São Paulo: Cosac Naify, 2007). Que edição irrepreensível! Aliás, a Cosac Naify ganhou definitivamente minha admiração. Como comentei dia desses com amigos, pode até ser que esteja redondamente enganada, mas a impressão que dá é que lá se trabalha sem aquele cifrão mágico como ponto de partida e de chegada. Melhor de tudo é que, ao que parece, anda tudo bem com as contas da editora! Sinal que quem compra livro reconhece, sim, um trabalho de qualidade a quilômetros!
Enfim, voltando ao presente, “Livro das Perguntas” foi um dos primeiros lançamentos póstumos do poeta chileno, escrito em seu último ano de vida e publicado pela primeira vez em 1974. Essa edição tem a tradução sensível de Ferreira Gullar e a ilustração singular de Isidro Ferrer, artista plástico espanhol. Nem sei se a palavra certa para descrever o trabalho de Ferrer é ilustração. São mais bem cenários surreais, feitos com colagens, fotografias, instalações em madeira e uma linguagem própria. Não ilustra propriamente o texto, mas o incorpora e o transforma em outra forma de questionar o mundo.
Há inúmeras teses que tentam explicar o que fez Neruda elaborar mais de 200 perguntas. Uns dizem que foi a forma que ele encontrou para expressar a admiração no encontro de dois “eus”: o do menino curioso com as descobertas e do adulto versado. Outros falam do poeta que elabora suas inspirações mais primitivas, anteriores até mesmo à própria infância. Há quem acentue a influência da filosofia oriental. O “Livro de Jó” também parece modelo.
Eu vejo o livro como resultado de tudo isso, e de mais alguma coisa. Leio ali a inquietude que deve cercar as pessoas sensíveis quando a morte se avizinha. Leio um sopro de nostalgia da ignorância e um tanto de prazer em se alcançar a lucidez. São perguntas sobre vida, morte, natureza, homem – temas que cercam qualquer mortal, mais ainda os que, como Neruda, exercitam os sentidos da alma.
No Chile, algumas edições introduziram respostas dadas por crianças. Ao que parece, até uma emissora de rádio fez uma campanha para eleger as melhores frases. Eu realmente dispenso essa sede de solução. Não me faz falta. Sério. Gosto de ler as perguntas sem necessariamente imaginar respostas, dando ainda mais asas à incerteza. O mundo já é tão racional, o que custar imaginar que algumas coisas simplesmente não se explicam, não se respondem?
p.s.: Quem me deu esse presente foi uma dupla incrível, que redescobri recentemente. Digo redescobri porque conheço os dois faz algum tempo, mas só esse ano a coisa pegou, digamos assim. Falo da Nina e do André. Ela é uma fofa que exala amor. Dou um doce para quem não se apaixonar pela Nina. E ele sabe tanto como levantar meu astral! Sorte poder conviver com essa dupla, todos os dias.
RECORTES
“Que coisa irrita os vulcões que cospem fogo, frio e fúria?
“As lágrimas que não choramos esperam em pequenos lagos?
Ou serão rios invisíveis que correm para a tristeza? ” (pag. VIII)
“É ruim viver sem inferno: não podemos reconstruí-lo?
E colocar o triste Nixon com a bunda sobre o braseiro?
Queimando-o a fogo lento com napalm norte-americano?” (pág. XVIII)
“Não é melhor nunca que tarde?
E por que o queijo se dispôs a realizar proezas na França?” (pág. XX)
“Amor, amor, aquele e aquela, se já não são, para onde se foram?
Ontem, ontem, disse a meus olhos, quando voltaremos a ver-nos?” (pág. XXII)
“É verdade que a tristeza é larga e estreita a melancolia?” (pág. XXIX)
Enfim, voltando ao presente, “Livro das Perguntas” foi um dos primeiros lançamentos póstumos do poeta chileno, escrito em seu último ano de vida e publicado pela primeira vez em 1974. Essa edição tem a tradução sensível de Ferreira Gullar e a ilustração singular de Isidro Ferrer, artista plástico espanhol. Nem sei se a palavra certa para descrever o trabalho de Ferrer é ilustração. São mais bem cenários surreais, feitos com colagens, fotografias, instalações em madeira e uma linguagem própria. Não ilustra propriamente o texto, mas o incorpora e o transforma em outra forma de questionar o mundo.
Há inúmeras teses que tentam explicar o que fez Neruda elaborar mais de 200 perguntas. Uns dizem que foi a forma que ele encontrou para expressar a admiração no encontro de dois “eus”: o do menino curioso com as descobertas e do adulto versado. Outros falam do poeta que elabora suas inspirações mais primitivas, anteriores até mesmo à própria infância. Há quem acentue a influência da filosofia oriental. O “Livro de Jó” também parece modelo.
Eu vejo o livro como resultado de tudo isso, e de mais alguma coisa. Leio ali a inquietude que deve cercar as pessoas sensíveis quando a morte se avizinha. Leio um sopro de nostalgia da ignorância e um tanto de prazer em se alcançar a lucidez. São perguntas sobre vida, morte, natureza, homem – temas que cercam qualquer mortal, mais ainda os que, como Neruda, exercitam os sentidos da alma.
No Chile, algumas edições introduziram respostas dadas por crianças. Ao que parece, até uma emissora de rádio fez uma campanha para eleger as melhores frases. Eu realmente dispenso essa sede de solução. Não me faz falta. Sério. Gosto de ler as perguntas sem necessariamente imaginar respostas, dando ainda mais asas à incerteza. O mundo já é tão racional, o que custar imaginar que algumas coisas simplesmente não se explicam, não se respondem?
p.s.: Quem me deu esse presente foi uma dupla incrível, que redescobri recentemente. Digo redescobri porque conheço os dois faz algum tempo, mas só esse ano a coisa pegou, digamos assim. Falo da Nina e do André. Ela é uma fofa que exala amor. Dou um doce para quem não se apaixonar pela Nina. E ele sabe tanto como levantar meu astral! Sorte poder conviver com essa dupla, todos os dias.
RECORTES
“Que coisa irrita os vulcões que cospem fogo, frio e fúria?
“As lágrimas que não choramos esperam em pequenos lagos?
Ou serão rios invisíveis que correm para a tristeza? ” (pag. VIII)
“É ruim viver sem inferno: não podemos reconstruí-lo?
E colocar o triste Nixon com a bunda sobre o braseiro?
Queimando-o a fogo lento com napalm norte-americano?” (pág. XVIII)
“Não é melhor nunca que tarde?
E por que o queijo se dispôs a realizar proezas na França?” (pág. XX)
“Amor, amor, aquele e aquela, se já não são, para onde se foram?
Ontem, ontem, disse a meus olhos, quando voltaremos a ver-nos?” (pág. XXII)
“É verdade que a tristeza é larga e estreita a melancolia?” (pág. XXIX)
2 comentários:
Porque alguns recém-chegados parecem ser de toda vida?
eu que agradeço...
bjo grande. nina.
Martinha,
Só hoje deu tempo de passar aqui e te ler com calma. Voltarei sempre, adorei! Quando vamos nos ver? Saudades,
Carol
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