

(São Paulo: Globo, 2008. 232 páginas)
Com dois anos de atraso, chegou recentemente às livrarias a reedição de Abdias, de Cyro dos Anjos. Digo atraso porque a publicação comemora o centenário de nascimento do autor mineiro, completado em 2006. Enfim, a data é o que menos importa. O livro, publicado pela primeira vez em 1945, é um relato em forma de diário de um professor de literatura que se vê às voltas de uma paixão (não daquelas paixonites passageiras, mas das que doem e não cessam) por uma aluna de um tradicional colégio de freiras, em Belo Horizonte do final dos anos 1930. Além de todo provincianismo típico da época, o professor quarentão enfrenta seus próprios conflitos, dividido entre a vida de homem casado e com filhos e o desejo de aventura; entre a segurança e o equilíbrio da maturidade e a fuga e a ilusão da juventude.
Com dois anos de atraso, chegou recentemente às livrarias a reedição de Abdias, de Cyro dos Anjos. Digo atraso porque a publicação comemora o centenário de nascimento do autor mineiro, completado em 2006. Enfim, a data é o que menos importa. O livro, publicado pela primeira vez em 1945, é um relato em forma de diário de um professor de literatura que se vê às voltas de uma paixão (não daquelas paixonites passageiras, mas das que doem e não cessam) por uma aluna de um tradicional colégio de freiras, em Belo Horizonte do final dos anos 1930. Além de todo provincianismo típico da época, o professor quarentão enfrenta seus próprios conflitos, dividido entre a vida de homem casado e com filhos e o desejo de aventura; entre a segurança e o equilíbrio da maturidade e a fuga e a ilusão da juventude.
A partir do personagem-narrador erudito e intelectualizado, o autor envereda por uma escrita clássica, à maneira de Machado, mas docemente contaminada pelas experimentações modernistas. Entre devaneios e revelações, o leitor é testemunha (única, aliás!) dos estados de alma de um homem sensível, absolutamente paralisado diante suas escolhas. Em alguns momentos, chega a ser penoso, diria até constrangedor ler as confissões. Mas, assim como há de ser quando (raríssimo) lemos um diário alheio, em que pese a sensação de invasor, não se larga até que chegue a última página.
Recortes
“Nada de dramatizações. Quero ser de uma sinceridade total. Não me julgo um monstro. Vou mesmo além. Acredito que todos os homens são mais ou menos assim e que a alma humana é um campo de batalha, um mar de contradições. Que nos condenem pelos atos, se por algo devemos ser condenados, e não pelos pensamentos. Aqueles, afinal, podem representar o fruto amadurecido de uma longa gestação do espírito, ao passo que estes muitas vezes não são mais que o lodo da alma revolta.” (p. 101)
“Servidão de amor, a mais melancólica das servidões. Por que há de o homem escravizar-se a vãs formas que o tempo dissolve? O amor nada tem da essência de Ariel. É Calibã, que rasteja, embriagado.” (p. 129)
“Exerço, no mundo das letras, atividade modesta. Não sendo um criador, minha função é a das muitas formigas que sem cessar carreiam para o celeiro literário os frutos quase anônimos do seu trabalho: um estudo subsidiário, uma pesquisa, pequeno ensaio crítico.” (p. 162)