Nesse link abaixo está o texto que eu fiz para o UOL sobre o livro "O Dom", de Nikita Lalwani (Nova Fronteira). Mas aqui quero acrescentar algumas impressões de ordem pessoal - tão pessoal que não ficaria bem colocar na resenha.
Esse é um (atualmente raríssimo) exemplo de livro de estréia muito bom. Não à toa, foi indicado ao Man Booker Prize do ano passado. Dá para resumir assim: não tem nada demais, além de um texto incrível. O enredo é de uma menina superdotada em matemática que a duras penas mantém a fama conquistada com o seu dom. Principalmente em família, já que o pai resolve prepará-la para entrar em Oxford com apenas 14 anos.
Sabe aquelas notícias de superdotados que entram na faculdade antes de começar o colegial? Rumi, a personagem do livro, é uma dessas.
Mas enfim, como digo na resenha, esse é um livro cheio de camadas e com duas delas eu me identifiquei bastante. Logo no começo da história, Shreene viaja pela Índia acompanhada da filha Rumi e vivencia alguns insights.
1. Shreene (a melhor personagem do livro) pisa na Índia aos 30 anos e com uma filha, depois de nove anos morando em Londres, para assistir ao funeral do pai. Logo no aeroporto de Délhi, ela se hipnotiza pelo cheiro de "poluição e pela poeira que se agitava no ar-condicionado abafado". E pensa que sua chegada em casa significava apenas uma coisa: "que ela teria de ir embora".
Acho isso ótimo porque conversa com um assunto muito delicado, ao menos para mim: minha relação com Recife, cidade onde nasci.
Eu acho Recife linda. Realmente, acho a cidade mais linda do país, só perdendo mesmo para Fernando de Noronha (mas aí não conta!). Só que eu não consigo me imaginar voltando a morar lá. Isso, para muitos recifences, soa com xingamento. Mas para mim Recife é a origem, a raíz, onde tudo começou e de onde eu sempre saio me sentindo preenchida de alguma coisa. É "a partir de" Recife que eu penso. E quando chego no Aeroporto dos Guararapes fico hipnotizada mais ou menos como Shreene.
2. A outra pira da Shreene, onde eu também viajei, é bem menos cricri. Em resumo, ela não sabia, mas quando esteve na Índia estava grávida do seu segundo filho. Quando os parentes souberam da gravidez, algum tempo depois, não resistiram à interpretação popular de que o bebê seria a encarnação do pai falecido. Claro que sua cabeça já bastante ocidentalizada não permite admitir uma loucura dessas, mas bem que ela fica balançada. E pensa: "Não havia como negar que Nibu (o nome do filho) era um gesto de boa vontade vindo de cima, tendo sido enviado em um momento de necessidade. Naquele novo deserto, onde seu afastamento parecia tão completo, Nibu cintilava e se remexia dentro de sua barriga como uma jóia em um escrínio de veludo."
Eu quase posso trocar a palavra Nibu pelo nome da minha Julia.
Ah, o link:
3 comentários:
a sua jóia está ai, adoçamndo o seu coração, os seus dias
bjo com saudade, lets
Eu gosto e me emociono com a possibilidade número 2. beijos..
Martinha, li a dica e li o livro. Muito bom. A mãe vive das lembranças da vida na Índia, o pai acha que os estudos farão com que a filha não sofra preconceitos por ser uma imigrante, e a filha só quer uma vida de adolescente. Depois de ler o livro, descobri, para minha surpresa, que Sufiah Yusof viveu uma história parecida, filha de imigrantes, gênio da matemática e em busca de uma vida normal. Obrigada pela dica! Naninha.
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