sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Gesto de boa vontade


Nesse link abaixo está o texto que eu fiz para o UOL sobre o livro "O Dom", de Nikita Lalwani (Nova Fronteira). Mas aqui quero acrescentar algumas impressões de ordem pessoal - tão pessoal que não ficaria bem colocar na resenha.

Esse é um (atualmente raríssimo) exemplo de livro de estréia muito bom. Não à toa, foi indicado ao Man Booker Prize do ano passado. Dá para resumir assim: não tem nada demais, além de um texto incrível. O enredo é de uma menina superdotada em matemática que a duras penas mantém a fama conquistada com o seu dom. Principalmente em família, já que o pai resolve prepará-la para entrar em Oxford com apenas 14 anos.

Sabe aquelas notícias de superdotados que entram na faculdade antes de começar o colegial? Rumi, a personagem do livro, é uma dessas.

Mas enfim, como digo na resenha, esse é um livro cheio de camadas e com duas delas eu me identifiquei bastante. Logo no começo da história, Shreene viaja pela Índia acompanhada da filha Rumi e vivencia alguns insights.

1. Shreene (a melhor personagem do livro) pisa na Índia aos 30 anos e com uma filha, depois de nove anos morando em Londres, para assistir ao funeral do pai. Logo no aeroporto de Délhi, ela se hipnotiza pelo cheiro de "poluição e pela poeira que se agitava no ar-condicionado abafado". E pensa que sua chegada em casa significava apenas uma coisa: "que ela teria de ir embora".

Acho isso ótimo porque conversa com um assunto muito delicado, ao menos para mim: minha relação com Recife, cidade onde nasci.

Eu acho Recife linda. Realmente, acho a cidade mais linda do país, só perdendo mesmo para Fernando de Noronha (mas aí não conta!). Só que eu não consigo me imaginar voltando a morar lá. Isso, para muitos recifences, soa com xingamento. Mas para mim Recife é a origem, a raíz, onde tudo começou e de onde eu sempre saio me sentindo preenchida de alguma coisa. É "a partir de" Recife que eu penso. E quando chego no Aeroporto dos Guararapes fico hipnotizada mais ou menos como Shreene.
2. A outra pira da Shreene, onde eu também viajei, é bem menos cricri. Em resumo, ela não sabia, mas quando esteve na Índia estava grávida do seu segundo filho. Quando os parentes souberam da gravidez, algum tempo depois, não resistiram à interpretação popular de que o bebê seria a encarnação do pai falecido. Claro que sua cabeça já bastante ocidentalizada não permite admitir uma loucura dessas, mas bem que ela fica balançada. E pensa: "Não havia como negar que Nibu (o nome do filho) era um gesto de boa vontade vindo de cima, tendo sido enviado em um momento de necessidade. Naquele novo deserto, onde seu afastamento parecia tão completo, Nibu cintilava e se remexia dentro de sua barriga como uma jóia em um escrínio de veludo."

Eu quase posso trocar a palavra Nibu pelo nome da minha Julia.


Ah, o link:

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

3 meses com ela

(Bolo de chocolate e um brilho nos olhos)




(Julia vestida para a festa. Stylist: Aline Lima)


Julia com três meses (completados hoje!) é uma menininha:

- feliz, muito feliz. Que dá altas gargalhadas, acorda bem humorada e curte muito sua vidinha tranqüila, cercada de dengos;

- saudável, absolutamente saudável. Eu já tive duas ameaças de gripe forte nesses três meses, que me deixaram pelo menos um dia baqueada, e ela, graças a Deus, nadica de nada;

- gulosa, que nunca rejeita uma mamada. Mesmo quando não está com fome, aceita um leitinho. O que acaba trazendo os transtornos da regurgitação. Culpa, claro, da minha ansiedade em oferecer o peito religiosamente a cada três horas. Vou começar a aumentar esse intervalo;

- inteligente, incrivelmente esperta. Não é porque é minha filha, não, mas essa menina é muito ligada no entorno. Presta atenção a tudo, observa com atenção pessoas e objetos, já reconhece (além de mim, claro) muita gente, como a dinda Aline, a tia Mima, a bá e a Cléo;

- sociável. Julia adora um bom papo na cozinha, igualzinho aos pais. Fica no colo só escutando a conversa, às vezes interfere com seus miados gostosos e sempre dá boas gargalhadas, sem ninguém entender muito bem as razões;

- nada chorona. É tão raro minha bebê chorar que quando acontece eu levo muito à sério, e não poupo colo e atenção. Muito dessa tranqüilidade tem a ver com a sintonia que já se estabeleceu aqui em casa. Eu e a bá conseguimos decifrar muito bem a linguagem corporal da Ju. E como se expressa com o corpo, minha filha. Fala com as mãos, com os pés, com grunhidos e, principalmente, com os olhos.

É por essas e outras que eu preciso comemorar cada aniversário da minha pequena. Hoje teve bolo aqui em casa, parabéns, velinhas, ensaio fotográfico, carinho dos amigos. E eu quero é mais...






quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Por que Woody Allen?

Trio de beldades na (para mim) melhor cena de "Vicky Cristina Barcelona"

Por que será que eu gosto tanto de Woody Allen? Algumas hipóteses:
- Eu me familiarizo com seus personagens. Sabe aquelas figuras que até podem ter uma sensibilidade fora do comum para as artes, mas no quesito neuras pessoais é completo analfabeto? Pois é, me sinto cercada delas. E eu própria enxergo muito de mim nesses tipos. Claro, os personagens de Woody Allen são o exagero, o ponto extremo – e é isso que eu adoro!
- Acho que viver exige bom humor. E nada em Woody Allen é tão trágico que não caiba uma risada. O melhor riso dele é aquele que, se não fosse cinema, você teria vergonha de achar graça.
- Sou um ser moderno, no sentido Benjamin da palavra, de estar sempre aberto a novas experiências. E Woody Allen é o melhor cronista da vida moderna. Ele tem o dom de filtrar entre tudo à nossa volta só o que é realmente novo e realmente impactante ao nosso jeito de viver. PS: o que é a cena em que Scarlett Johansson anuncia que vai deixar a casa de Penélope Cruz e Javier Badem e acaba ouvindo um sermão típico de pais espanhóis, dos amantes (foto acima)? Para mim, o melhor take do ótimo “Vicky Cristina Barcelona”.
- Eu amo Barcelona. Fiquei eufórica quando soube que ele ia filmar lá. A cidade está linda no seu filme – embora Oviedo apareça ainda mais bonita! Vai entender.
- Eu acho que beleza é fundamental. E, ultimamente, Woody Allen tem demonstrado pensar da mesma forma. Arrisco dizer que em “Vicky Cristina Barcelona” ninguém é menos que lindo. Até o burguês meio tolo tem lá seu charme.
- Eu sou uma ótima ouvinte, e ele tem muito que dizer. Tanto que produz um filme por ano. E eu realmente preciso de uma dose anual de Woody Allen, pelo menos. Em 2008, tive sorte – foram duas!

domingo, 16 de novembro de 2008

Como dois e dois são cinco

(Marquinhos, novembro de 2007, em Paris)

(Julia, hoje à tarde, com 2 meses e 20 dias, em São Paulo)

Uma coisa estranha move em mim sempre que me perguntam “como estou”. E me perguntam muito, e com sinceridade, graças a Deus. Invariavelmente, antes de responder, me paraliso um segundo. Sinto, mesmo que rapidamente, um misto de tristeza, medo e, vejam só, vergonha. É tão estranho que até vinha me irritando um pouco. Por que diabos me envergonha dizer que estou bem, apesar dos pesares? Que tipo de decoro é esse, tão sem sentido, que me faz ter medo do ridículo?

Hoje, pensando um pouco no sofá depois que a Julia dormiu, me dei conta. Entendi que minha noção de estar bem mudou tanto, mas tanto, que temo não ser compreendida. Em poucas palavras, acho que hoje eu me contento com menos para estar bem. Não dá para ser diferente, já que o maior desejo da minha vida é absolutamente impossível. Sabe quando seus pais perguntavam, na infância, que presente você queria para o Natal e você tinha certeza que o mais desejado (para mim um carro ou, pelo menos, uma moto) nunca você ganharia? É assim que me sinto. E, sendo assim, não me resta mais que aparar as arestas do desejo, e desejar menos, sempre menos para ser feliz.
É um exercício, viu. Claro, não dá para esquecer que eu tenho a Julia, meu eixo, meu ponto no círculo, que sorri quando me enxerga se aproximar do berço, às seis da matina. Estou completamente apaixonada pela minha filha, "um amor tão grande que dói" – exatamente como eu repetia ao Marquinhos. Ela me faz feliz, e também me faz refletir.
Não gosto de pensar que nosso amor era como um grão, e precisou morrer para germinar. Não gosto de imaginar que os céus só me deram o direito a uma enorme felicidade por vez: primeiro o homem da minha vida, e só depois a minha filha. E para não cair nesse labirinto mental, eu faço um trabalho absolutamente racional de levar o pensamento para outro extremo. Foi o próprio Marquinhos quem me ensinou a agir assim, radicalmente objetiva. “Acordou com vontade de ficar o dia na cama, coberta, escondida, pois então levante, vista sua melhor roupa e saia de casa. E se, ao contrário, acordar com euforia sem tamanho, capaz de sair cantando, fique um tantinho mais na cama, quieta, até se equilibrar”, dizia ele. Uso essa técnica.

E aí, quando encontro alguém que me pergunta como estou, penso assim: como estou considerando esse lado aqui da mente, ou segundo esse outro lado?
Tudo isso para dizer que ouvi uma música velha, acho que de Caetano Veloso, gravada por Roberto Carlos de 1971 (quando nem eu, nem o Marquinhos tínhamos nascido), que resume como estou hoje, vésperas do dia 18 de novembro, sete meses depois. Diz assim: “Meu amor! Tudo em volta está deserto, tudo certo. Tudo certo como dois e dois são cinco.” Ou, para quem é capaz de entender, estou triste, mas estou feliz.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Família que se escolhe

(O dindo: Serginho, catando gelo lá em casa, no dia 28/03/2008)
(A dinda: Sanduíche de Aline numa festa dessas lá em casa, em algum dia de 2007)


Por ora, minha idéia é dar uma educação laica à Julia, no melhor estilo “igualdade, liberdade e fraternidade” que a gente vê nos filmes. Eu, que estudei em colégio de freira e tremia de medo de inferno, acho que é possível, sim, transmitir valores espirituais sem passar perto de religiões. Mesmo assim, optamos (digo nós porque foi uma decisão tomada com o Marquinhos) que o ritual do batismo seria seguido. Primeiro, porque acho linda a cerimônia (talvez só não seja mais bonita do que a de casamento). Segundo, porque acho importante que minha filha tenha padrinhos.
Ainda não sabíamos se quem estava chegando era a Julia ou o Francisco quando tivemos essa conversa sobre batismo. Foi fundamental aquele papo, vejo agora. Foi quando o Marquinhos me convenceu que deveríamos quebrar uma tradição da família, de irmão apadrinhar o filho do outro irmão. Seu argumento foi certeiro: essa é a chance de aumentar a família. Tio já tem (ou deveria ter) intimidade suficiente para participar e servir de exemplo para o sobrinho. A escolha dos padrinhos é, então, uma forma de assumir como família pessoas que só não são família por um acaso. Em outras palavras, é família que se escolhe.

Minha Julia já está devidamente apadrinhada (embora a cerimônia só acontecerá em janeiro). E eu estou muito feliz com nossa escolha (Marquinhos, naquela conversa, já deu sinais de quem queria ver nesse papel): Serginho e Aline.

Sobre eles, tenho muito que dizer.
Conheci a Aline na redação do JT. Nos demos bem de cara, e de graça. Nunca nos largamos. Aline é leonina, ou seja, adora um palco. E eu sou uma ótima espectadora – par perfeito! Ela é linda, magra, alta, se veste bem, adora jóias, vestidos e saltos. É desbocada, fala o que pensa, e fala alto. É CDF. Tudo que faz, faz bem-feito. É estudiosa, caprichosa, incrivelmente organizada com suas coisas (guarda as calcinhas dobradinhas na gaveta!). É prática, não tem paciência para tristeza, não. Aline não desiste nunca, ou demora a desistir, mas também se desiste de alguma coisa ou de alguém é porque aquela coisa ou aquele alguém merece ser desistido. Aline é energia pura, transborda emoção. Chorou copiosamente quando assistiu “Amor à flor da pele”, de Wong Kar-Wai, mas também sabe xingar o juiz no meio da torcida do São Paulo. Aline não é de Vitória – é de Cariacica, o que dá no mesmo no sotaque capixaba. Ela adora ler, faz poesia sobre Bolsa de Valores e prepara um jambalaia de comer ajoelhado. Como diria meu sobrinho: tudo acontece na vida da Aline, e ela é muito feliz.
O Serginho, esse seguramente foi o primeiro amigo do Marquinhos em São Paulo. Os dois trabalharam juntos na Veja. O Serginho, como o Marquinhos, tem o dom de agregar. Em volta dele tem sempre uma dúzia de amigos e algumas cervejas. Ranzinza quando acorda, ele é um docinho nas madrugadas. Festeiro, gosta de música alta e muita, e sabe como ninguém alegrar uma noite. De dia, faz cara de sério e mantém na linha uma carreira brilhante. É meio japonês e meio libanês. Gosta de sushi, mas não qualquer sushi. Serginho gosta de sentar no balcão e escolher os peixes pelo nome. Até pouco tempo, o Serginho não gostava de gatos (nem de cachorros), mas ai ele conheceu uma gata, chamada Erika, que fez ele se apaixonar por tudo quanto é bicho. Agora, ele dorme com um gatinho na cabeça, outro nos pés, e uma do lado. O Serginho também adora viajar, tem medo de ficar doente, não gosta de pisar descalço na areia, e sabe ser chato com quem merece. É bonito de terno ou de chinelo. E deve ser meu único amigo de 35 anos que não tem um cabelo branco, nem é careca!
São dois incríveis exemplos de ser humano. E se minha Julia um dia me disser que quer ser igualzinha aos dindos, eu serei muito feliz!

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Leitura sem tempo

Aqui uma dica de leitura boa, bonita e barata. Digo, rápida, para quem não tem tempo para ler e acaba cochilando na cama com o livro aberto na página sete. "Garota encontra garota", de Ali Smith, é um texto leve, sem muita preocupação com a lógica e com as convenções e, principalmente, muito gostoso. Mergulha nele, vale a viagem!

Resenha no:
http://diversao.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/2008/11/09/ult5668u61.jhtm

sábado, 1 de novembro de 2008

Amor de muito


(Fotos de algum dia da segunda quinzena de outubro/2008, Ju com dois meses)

Relutei um pouco antes de decidir publicar esse post por um medo que tenho de desvirtuar o blog. Não que isso seja necessariamente um problema, claro. Mas depois lembrei que o blog nasceu para dar espaço às minhas idéias particulares sobre tudo que leio. E o que mais tenho lido ultimamente são livros que de alguma forma me ajudem nessa nova face da minha vida, a de mãe.
Confesso que quando engravidei e até poucos dias antes do nascimento da minha Julia, o que me fascinava na idéia de ter filhos estava relacionado à diversão. Pensava no divertido que seria brincar com uma bonequinha de carne e osso, colocando roupinhas, amamentando, ninando no colo, ouvindo as primeiras tentativas de fala (a Ju está miando lindamente, cada dia com mais consoantes entre as vogais!). Também pensava no divertido que será brincar com a molequinha mais crescidinha, apresentar o mar, pendurar uma mochilinha nas costas dela e pegar estrada, andar de bicicleta com ela na cestinha, fazer piquenique. Tudo isso, de fato, é e vai ser muito bom. Mas não é a melhor parte.

Descobri semanas antes do nascimento da Ju e confirmo cada dia que a melhor parte de ser mãe é brincar de deus. Imagina que tenho um serzinho na minha casa que depende de mim para ser uma pessoa melhor que eu, melhor que o Marquinhos – e olha que a gente já é (era) bom pacas! Depende de mim, então, fazer da Julia uma pessoa segura, tranqüila, em paz com ela própria e com o entorno, tolerante com as diferenças, intolerante com a caretice, aberta ao que é novo, consciente de suas limitações, brigona pelo que quer e pelo que acredita. Para isso, a “criação” começou desde o minuto que a Julia saiu da minha barriga.

Foram os livros que já me ensinaram que nessa fase da vida do meu bebê nada é mais importante do que dar muito amor. Verbalizar esse amor mesmo que pareça que a pequena não entende uma só palavra do que digo. Demonstrar o quanto profunda e iluminada é nossa relação muitas vezes e com o mesmo tom de voz, esteja ela lindamente miando ou esperneando bravinha. Aliás, a Julia é do tipo que esperneia quando quer comida (é o único momento que ela chora), o que acho deveras positivo. Para mim, primeiro sinal que ela será uma pessoa equilibrada, que se aconchega com calma e manha quando recebe carinho, mas sabe gritar quando reclama o que lhe é de direito. Tá certo. A mim não resta muito mais do que desabotoar depressa a blusa e seguir meu destino.

É amor de muito.